sábado, 8 de outubro de 2011

SUSURROS DEL ALMA, Maria Cristina Drese


Chegam desde Buenos Aires, Argentina, os versos novos de uma poeta sempre presente nos eventos literários brasileiros (e não só no Rio Grande do Sul, fronteira e campo): María Cristina Drese, que neste seu novo livro vem ratificar a mesma potência, o mesmo lirismo, a mesma contundência e força que caracterizam sua obra. Falar de Drese, e por conseguinte deste seu novo livro, é falar de uma poesia que remete ao que de mais profundo e poético pode produzir a alma humana. Drese é uma artista cuja obra transita entre o lírico (ver os poemas "Entrega" e "Penas"), a busca pela esperança ("Destino Incierto"), além de outras características que não podem jamais faltar na obra de uma grande poeta. A ver alguns versos: "Le pregunta al mar/en qué templo/se encuentra la libertad"; "Mañana buscaré la libertad/como ave en el amanecer"; "con la fantasia de sentir tu presencia/mientras la lluvia persiste y cae/cae la cortina de recuerdos...". Com Maria Cristina Drese, a literatura argentina, e em especial sua poesia, está em excelentes mãos.

domingo, 2 de outubro de 2011

A ROMANA, Alberto Moravia


Romance, 1947, 410 páginas (Nova Cultural, 1987). Para quem não ainda não é iniciado no autor, chama a atenção a tradução feita por Marina Colasanti para esta publicação da Nova Cultural. Adriana, jovem, bonita, generosa e inocente, vive de forma paupérrima com a mãe, costureira, na periferia da Roma fascista (anos quarenta, subentende-se). Cercada de miséria e privações, a bela Adriana é praticamente induzida pela mãe e por uma colega de trabalho ao mundo da prostituição -que passa a praticar sem muita resistência, na esperança de livrar-se dos problemas financeiros e proporcionar à mãe uma vida melhor. Apesar de sua vida na marginalidade, Adriana não abandona seu sonho de encontrar um homem que ame, casar-se e ter filhos. Dos vários amantes que amelhoa nesta nova profissão, destacam-se Mino, estudante por quem ela se apaixona, Sonzogno, criminoso perseguido pela Justiça, e Astarita, oficial da Polícia Política do Governo. Narrado em primeira pessoa através de um estilo impecável e uma capacidade incrível de alinhamento da trama, o livro leva o leitor a um final surpreendente e emocionante, onde o destino dos principais personagens se entrelaça e ganha tons de drama e tragédia. Leitura recomendadíssima.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

INCIDENTE EM ANTARES, Érico Veríssimo


Uma das obra-primas do grande escritor gaúcho, que neste romance narra de forma empolgante um fato ocorrido em 13 de dezembro de 1963, na fictícia cidade de Antares, fronteira do Brasil com a Argentina. Dono de um estilo único, com rara habilidade e eloquência, o autor oferece o que há de melhor em sua capacidade criadora, na criação dos personagens -inesquecíveis, nos detalhes das paisagens e no desenrolar da trama. Um lugarejo pequeno (cuja gênese também é apresentada na primeira parte), que com o passar do tempo se "desenvolve" e cresce, até desaguar no lugar-comum onde se alojam algumas das mais conhecidas misérias humanas, representadas pelos donos dos poderes constituídos. Corrupção, assassinatos, adultérios, chantagens e traições, peculatos, torturas, inúmeras revelações que virão à tona na segunda parte do livro, de uma forma surpreendente e inesperada, e que proporcionarão ao leitor o inequívoco sentimento de estar diante de uma das mais originais e completas narrativas da literatura brasileira em todos os tempos -tempos, aliás, em que nossos escritores tinham algo a dizer, e não se perdiam em verborragias gratuitas e incompreensíveis.

domingo, 14 de agosto de 2011

ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA, José Saramago



Do que é capaz o homem em uma situação extrema? Até onde pode chegar para saciar um desejo ou uma necessidade física? O que nos diferencia de um animal com fome? É direito de um governo dar cabo de alguns para a preservação e benefício da maioria? A solidariedade resiste a, por exemplo, a chance de se subtrair o bem pertencente a outrem? Com seu estilo próprio e inimitável, José atinge sua maturidade como escritor ao proporcionar à literatura um quadro caótico que representa um inventário de tudo o que há de pior na natureza humana, quando posta em condições inimagináveis. Duzentas e setenta pessoas contaminadas pela cegueira conhecida como "mal branco" (e não a cegueira da treva, da escuridão, do breu) são confinadas em uma espécie de sanatório e isoladas do resto do mundo. Uma única pessoa -a mulher do médico- é poupada da epidemia, e passa a auxiliar seu grupo, pagando o preço de, vendo, testemunhar a miséria a que todos ficam expostos. Como em outros livros do autor, há também um cão, o "cão das lágrimas", que passa a acompanhar o grupo e, de certo modo, servir de companhia e "consciência". Junto com o Memorial do Convento e o Levantado do Chão, Ensaio Sobre a Cegueira fecha a "Santíssima Trindade" do fabuloso escritor português. Ensaio foi levado aos cinemas recentemente pelo brasileiro Fernando Meirelles, numa versão elogiável e correta da obra literária. Mas nada que se compare à magnitude do livro.

domingo, 7 de agosto de 2011

DE LEMBRANÇAS & FÓRMULAS MÁGICAS, Edson Bueno de Camargo


Já se disse que a memória é matéria-prima para a Poesia. Com base nesta afirmação, que nos ocorre ao terminar a leitura deste livro, a impressão que fica é que o brilhante poeta paulista nada mais faz do que apresentar um convite: pega o leitor pela mão e, cuidadosamente, o introduz em seu universo de memórias repleto de imagens e figuras permeados pelo sentimento que caracteriza os verdadeiros poetas: o de não-pertencimento ao mundo onde está inserido. A presença recorrente da avó a reconhecer a condição "diferente" do menino ("este menino é meio aluado / estranho e taciturno / vê coisas em cima do guarda-roupa / que só ele percebe e sente"), a figura opressora e tirânica da fábrica a extirpar o "resto da infância e a adolescência" e "se apossar do silêncio de todas as manhãs", a genealogia da família, a casa da Rua Vittorio Veneto e a definitiva vocação para a Poesia desaguam no destino a conduzir o menino, e depois o homem, ao encontro da Poesia, a quem se une para jamais abandonar. Edson -poeta premiado e indubitavelmente dos mais relevantes da atual geração- expõe generosamente suas memórias, e compartilha com o leitor o maior patrimônio de sua obra, que é a declaração da Poesia como parte de um legado do qual não se pode fugir.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

PARA LER E PENSAR, Hermann Hesse


Coletânea de 550 frases e aforismos de autoria do escritor alemão, pinçadas dos seus livros, sobre temas como morte, amor, livros, política, religião, educação, arte etc. Do ponto de visto literário, nada a declarar. Interessante, porém, travar conhecimento com o pensamento e as impressões do artista com relação a temas que, até hoje, inquietam a sociedade. Sua postura diante do comunismo, por exemplo -quando chega mesmo a defender sua adoção e vaticinar o sistema como "destino irrevogável da sociedade"-, dá cores curiosas à leitura, ainda que à época o autor pudesse estar ainda sob os efeitos da Révolução de 1917. Apesar do nome da obra, entretanto, a proporção dos verbos é indevida: há muito o que ler -e quase nada a provocar o pensamento. O objetivo do livro, na verdade, foi alcançado: aprofundar-se no coração do escritor e na sua postura diante do mundo. E provocar a leitura dos seus livros. Para os admiradores e estudiosos de Hesse, não há dúvida de que se trata de leitura obrigatória.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

ADEUS ÀS ARMAS, Ernest Hemingway




Novela autobiográfica do renomado autor americano, que retrata todo o horror e insanidade vividas por Henry, um tenente condutor de ambulâncias que serve na Itália durante a Primeira Grande Guerra. Em meio às agruras que o ambiente hostil lhe reserva, o personagem se apaixona por Catherine, uma enfermeira inglesa com quem sonha casar-se tão logo termine o conflito. Em meio a fugas espetaculares, ambos fogem para a Suíça, onde um destino surpreendente dará cabo de todas as esperanças e projetos. O final da história, não por coincidência e aquém de obviedades, pode requerer uma dose extra de fôlego.
A edição de 1970 da Companhia Editora Nacional traz tradução de Monteiro Lobato, o que colabora para a manutenção do nível literário da obra.
Excelente oportunidade para iniciar-se na obra de Hemingway -ainda que o estilo e o ritmo da narrativa possam causar enfado a leitores mais exigentes.

domingo, 17 de julho de 2011

CONVERSAS COM VARGAS LLOSA, Ricardo Setti



Imperdível para vários tipos de interesse: literatura e criação, linguística, política, cultura e história estão presentes neste livro, que retrata uma série de entrevistas concedidas pelo escritor peruano -e atual Nobel de Literatura- em sua casa em Lima ao jornalista d´O Globo (hoje Veja), nos anos setenta.
Um dos momentos mais interessantes dos diálogos é a aparente aversão de Llosa à política, em contrapartida à sua candidatura ás eleições presidenciais, anos depois, derrotado por Fujimori, e sua atuação no sufrágio mais recente. Uma das frases do entrevistado, a est respeito: "A literatura importa mais que a política, à qual todo escritor deveria aproximar-se somente para obstruir-lhe os lances, recordar-lhe seu lugar e opor-se a seus malefícios".
Recomendável não somente para os amantes da grande obra de Llosa, mas a todos que, de uma forma ou de outra, percebem a arte literária como mola propulsora e catalisadora de parte do pensamento humano.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

O FILHO ETERNO, Cristóvão Tezza



Livro autobiográfico que traz à tona a questão da Síndrome de Down infantil, porém com menos piedade e pieguice do que usualmente estamos acostumados. O narrador -o próprio autor- tece com extrema habilidade e autenticidade o turbilhão de acontecimentos e desvarios que invade a vida de quem recebe a notícia de que vai ser pai de um filho especial. A trama envolve o leitor de forma definitiva, fazendo com que tome parte na história e acompanhe a lenta e profunda transformação por que passa o autor, que vai da incredulidade (e vai ao fundo do poço, quando "descobre" que os portadores da Síndrome têm vida curta) à aceitação e ao amor incondicional, que fazem desta obra uma leitura obrigatória. E que proporcionou ao autor a justa notoriedade e reconhecimento.

domingo, 3 de julho de 2011

GRAMÁTICA EXPOSITIVA DO CHÃO, Manoel de Barros


Mais do que uma Antologia, a Gramática Expositiva do chão representa para a Poesia brasileira o testemunho de um dos mais originais e autênticos estetas da língua. Não somente por retratar as características de uma região pouco "poetizada", como o Pantanal, mas sobretudo por propor a valorização das "coisas desimportantes" e pequenezas afins. Para os não-iniciados, a poesia de Manoel seguramente há de causar estranheza, o que é proporcionalmente semelhante à imensidão do Pantanal retratado: quando os olhos se acostumam, às vezes não dão conta de guardar em si tanta beleza. Um livro para se ter amor.

sábado, 2 de julho de 2011

CARTAS DA PRISÃO, Frei Betto




Registro magistral e autêntico de um período conturbado e turbulento da História recente do Brasil: em novembro de 1969, o líder da Aliança de Libertação Nacional (ALN) e dirigente comunista Carlos Marighella é atraído pela polícia para uma emboscada e morre em meio a um tiroteio, em S. Paulo, quando imaginava estar se dirigindo para uma reunião com frades dominicanos. Consumada a execução, segue-se a prisão de Frei Betto e mais três amigos, acusados de serem “responsáveis pelo esquema de fronteiras da ALN”.
O relato que se segue, em estilo epistolar, se constitui em um documento de leitura obrigatória para um breve entendimento de um dos episódios que marcou parte do regime militar no Brasil em uma de suas fases mais contundentes –os anos 1970.
Betto entremeia o discurso contido em sua correspondência –remetida aos pais, aos amigos, aos colegas, aos irmãos de fé- entre a política e a igreja, ao longo dos quatro anos de cárcere, convivendo com presos comuns e refletindo sobre a importância da participação dos homens de bem para transformação do ambiente social e político. Refere-se às injustiças e à manipulação da massa para o assentamento do sistema capitalista, através da alienação e do uso de práticas repressivas.
As passagens mais monótonas –ainda que não menos belas, sobretudo devido aos ensinamentos de cunho cristão- são as que se referem ao momento político da Igreja, quando os textos são repetitivos e panfletários.
Não há como evitar a referência às cartas do Apóstolo Paulo que, quando esteve preso, utilizava-se de cartas para manter contato com as Igrejas cristãs.
O leitor não encontrará, nas Cartas de Betto, uma única linha ou referência sobre o episódio que culminou com sua prisão e condenação, o que pode levar à presunção talvez errônea de culpa. Diante, porém, das lições de vida, senso de justiça e espiritualidade constantes nas Cartas, ser culpado ou não passa a ser, pelo menos neste momento da História, irrelevante.
Destaque também para a primorosa abertura, a cargo de Alceu Amoroso Lima.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

GOMORRA, Roberto Saviano


Alucinante narrativa sobre os tentáculos espessos e infinitos das organizações criminosas da Italia e da China, que acabam por infiltrar-se nos mais importantes portos do mundo. Tráfico de drogas, assassinatos, contrabando, prostituição e dezenas de outros crimes são dissecados em um prosa direta e avassaladora, sem espaço para lirismo ou meias-palavras. Saviano condena também a aura de mito que se estabeleceu em torno da Máfia, graças ao cinema. Sua perambulação pelo sub-mundo não somente do bel paese mas também por outros países da Europa se constitui em um retrato claro da absoluta impotência dos Estados diante da magnitude e da organização das instituições criminosas. A primeira página do livro, que trata de um conteiner sendo aberto enquanto é içado por uma grua, é chocante. Ainda que o autor seja jornalista, Gomorra não é somente uma reportagem. Nem tampouco somente um romance. É um livro que parece definitivo. Uma obra que trata do que pode haver de pior na condição humana. Sem mistificações.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

DO DESEJO, Hilda Hilst



Coletânea de poemas de uma das fases mais brilhantes e profícuas da autora residente da Casa do Sol. Textos caracterizados pela inconfundível verve de Hilda. Carne e ternura amanhecendo juntas, ao som dos bem-te-vis e de uma manhã prometida de sol. Amor sem distinção, de existência pura e simples, amor por amor, sem culpas desenganos prometimentos futuro. Amores que não se aprisionam ao que está à frente. Amores que independem da escravidão pela busca da felicidade. Amor por ele mesmo: amor. É disso que fala o livro. Sentimento cantado com a crueza da vida. Mais nada. A beleza de um verso como "és meu destino e poente". "A vida é líquida". Meus olhos revigoraram-se depois de "Do Desejo".

sábado, 11 de junho de 2011

DESVARIOS NO BROOKLYN, Paul Auster



Por maior que seja a rejeição que o título do livro possa causar aos que torcem o nariz aos brothers do Norte, vale a pena a leitura desta obra de Auster, um dos "escritores da moda" na literatura ocidental -com direito até a recente aparição na FLIP e figurinha fácil nos cadernos de cultura dos maiores jornais brasileiros. Menos pelo enredo -previsível, recheados de clichês e, às vezes, de uma obviedade irritante- e mais para conhecer o que anda aprontando a literatura norte-americana contemporânea. A obra trata de três gerações de uma desjustada família, cujas trajetórias inesperadamente se entrelaçam em sua rotina de misérias e incidentes, até terminar com um final digno de Zélia Gattai. Ou seja, tudo se encaixa perfeitamente, com famílias reconciliadas, um câncer curado e garantia de sexo regular para o sobrinho intelectual incompreendido. Uma sacada é a teoria do Hotel-Existência, que mereceria um livro à parte. A propalada eleição do ano 2000 surge apenas como referência, sem interferir diretamente na trama. Enfim, a leitura é recomendada, como disse, para efeito de conhecimento do estilo e da capacidade narrativa de Paul -que, a julgar por este livro, deve ter um agente literário pra lá de eficiente.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

ESTÓRIAS E LENDAS DO POVO DE CAMPOS DO JORDÃO, Pedro Paulo Filho



ou: como sobreviver a mais uma temporada de inverno e sandices






José Saramago, do alto da autoridade de quem o único Nobel de Literatura cuja língua materna é a portuguesa, afirma, em seu “As Intermitências da Morte”(Companhia das Letras, 2005), que “toda cidade essencialmente turística acaba por se transformar em uma cidade de plástico”.
Calma. Ninguém é tão ingênuo para negar a importância da temporada de inverno para nossa querida Cidade, nem tão louco a ponto de dispensar sua importância para a nossa escassa economia –sem falar na geração de empregos diretos e indiretos, divulgação e projeção da marca –ops, do nome- da Cidade, índices de vendas e negócios, valores envolvidos, especulação imobiliária, etc. Calma. A frase do parágrafo anterior tem apenas o objetivo de nos situar diante do que acontece conosco, e com nosso cotidiano, às vésperas desta usina de malucos que se instala em Campos do Jordão nesta época do ano. Afinal de contas, entramos de novo no momento em que a maioria dos jordanenses se reduz a uma mera máquina de ganhar dinheiro –ou de tentar ganhar dinheiro que, por maior que seja o valor, muitas vezes mal dá para começar a pagar as contas que se acumularam ao longo do ano.
Como é impossível ficar de fora deste imbróglio -dado que, como parte desta geografia, somos atropelados por toda essa gama de movimentação e desmantelos que invade a Cidade- resta-nos arregaçar as mangas para dar “conta do recado”, na esperança que a temporada acabe depressa para que possamos voltar a usufruir integralmente destes inigualáveis Campos do Jordão que, com exceção de alguns feriados prolongados, é nossa por quase onze meses.
Uma boa alternativa para tentar diminuir os efeitos da temporada e procurar manter viva nossa condição jordanense -nossa “jordanice”, por assim dizer- é dedicarmos as poucas horas de lazer e descanso que nos sobram à leitura de bons livros. Da minha parte, é o que tenho feito, a bordo das “Estórias e Lendas do Povo de Campos do Jordão”, de Pedro Paulo Filho, o nosso doutor Pedrinho -a cuja leitura me dedico com indesculpável atraso, presenteado que fui pelo autor há pelo menos quatro anos, pelo que consta na dedicatória.
Trata-se de uma obra que pode ser resumida em um adjetivo: fascinante. Para aqueles que nasceram, vivem ou dedicam a esta terra o amor sincero de seus corações, este conjunto de textos leves e bem escritos tem o poder de transportar o leitor a épocas inimagináveis, desde os primórdios até os dias mais recentes, tecendo lendas e acontecimentos que nos remetem aos dias atuais, em uma infinita rede de tramas, fatos e pessoas que nos permitem, durante e ao final da leitura, manter aceso nosso amor por esta cidade -sua cultura, sua gente, seu sotaque, suas raízes, enfim, tudo aquilo que nos representa e nos significa.
Porque, assim como em todos os anos, a temporada passa. Os shoppings, os stands, os bares, as boates, os comas alcoólicos, o paulistanês que grassa pelas nossas esquinas, os passeios de cachorro assistidos por ambulância e psicólogos, os “artistas” –tudo isso, anual e felizmente, passa.
Campos do Jordão, ao contrário, permanece no presente e na memória do seu povo, assim como também na genialidade de um Pedro Paulo Filho, inegável talento a registrar, como fazem os verdadeiros artistas, os impagáveis acontecimentos de seu tempo, sua terra e sua gente.
Nosso passado e nosso futuro residem em obras como esta, em cujas páginas permanecem o fascínio, as lutas e a beleza de nossa gente –e suas “Estórias e Lendas do Povo de Campos do Jordão”.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

O POETA DE SETE FACES (documentário, direção Paulo Thiago)



O filme trata da vida e da obra do poeta e escritor mineiro Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), tido como o maior poeta brasileiro por muitos ensaístas e críticos.
Filho de fazendeiros em Itabira do Mato-Dentro, hoje Itabira, o poeta teve uma infância confortável, marcada por pequenos incidentes que já mostravam a personalidade do escritor, como por exemplo sua expulsão do colégio, ao desafiar seu professor de português.
Uma amizade da infância com o político Gustavo Capanema será fundamental na vida do poeta que, por indicação do amigo, adentrará no funcionalismo público e nele permanecerá até a aposentadoria, com passagens por médios cargos do Governo durante a Ditadura Vargas, o que o faz fixar na capital da República, o Rio de Janeiro.
A passagem do poeta pelo Governo Vargas redundará em “acusações”, no futuro, de ter feito parte dela, ao que o poeta argumentará, em sua “defesa”, que “serviu durante a ditadura, mas não à a ditadura”.
Importante ressaltar que os acontecimentos sociais e familiares refletem diretamente na obra do escritor, como por exemplo a II Guerra e o período em que foi curador do acervo de arte barroca brasileira.
O filme intercala depoimentos de poetas contemporâneos (Adelia Prado, Mario Chamie, Affonso Romano de Sant´Anna) com reconstituições de fatos da vida e declamações de alguns poemas mais relevantes do autor, com destaque para a parte final do filme, com a performance de Paulo Autran.
Na única entrevista do filme, Drummond revela seu interesse pela política, e conclama os jovens brasileiros a tomar parte nela, assim como também reafirma a importância da mulher, como agente transformador, diante da sociedade.
A morte de Julieta, a única e amada filha, parece ser o golpe de misericórdia para o poeta, que falece de causas naturais, doze dias depois da filha.
O documentário, desta forma, traça a trajetória humana do poeta, em harmonia com sua obra poética (não se faz nenhuma referencia ao Drummond escritor de prosa) e toda a sua importância para a poesia brasileira e, por que não dizer, para o universo da língua portuguesa, como digno representante da genialidade de Camões e Pessoa.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

LEVANTADO DO CHÃO (José Saramago)



Um longo poema em prosa. Uma das diversas obras-primas de José, que exilou-se por quatro meses em Lavre, em meio ao povo sofrido daquela aldeia rupestre e pobre de Portugal, para legar ao mundo este manifesto em prol da justiça social, este profundíssimo grito contra a opressão aos trabalhadores miseráveis do mundo todo, em todos os tempos. Uma história de trabalho, sofrimento, amor e morte, de uma gente que não sabe por que e para que vive. Um hino de agradecimento à simplicidade das pequenas coisas -que, afinal, passam a ser as coisas grandes.

domingo, 5 de junho de 2011

MACUNAÍMA (Mario de Andrade)




Macunaíma, o "herói sem nenhum caráter", nascido numa tribo amazônica, é diferente dos demais habitantes da região: preguiçoso, mentiroso, traidor, dado a safadezas e useiro de palavrões com uma frequência impressionante. É irmão de Zé e Palocci -ops, Maanape e Jiguê. O fio que conduz a história é a perda da Muiraquitã, a pedra que recebera de sua finada esposa, a índia Ci, que lhe deu seu único filho, nascido morto. Esta busca o leva a S. Paulo, onde inicia sua plataforma para chegar à presidência da República. Fantástica criação do genial Mario de Andrade que, ainda que involuntariamente, previu a Era de Macunaíma, da qual somos -e seremos- todos reféns, sob a rudeza de uma estrela aterradora em um fundo vermelho-sangue.

domingo, 8 de maio de 2011

POEMAS DO NÃO E DA NOITE (Roldão Mendes Rosa)



Antologia de poemas do jornalista santista, publicada quatro anos após sua morte. Roldão permaneceu inédito durante toda a vida, resumindo a publicação de sua obra à coluna que mantinha no jornal A Tribuna. Observador atento do cotidiano, o poeta apresenta em seus textos um cuidado apurado ao retratar o cotidiano de forma a manter o distanciamento –e não o alheamento- posto que também o poeta é parte integrante da paisagem que retrata- necessário para a prática da Poesia. O extraordinário movimento portuário, o amor diário pelas ruas, a maresia, as máquinas da Redação freneticamente reproduzindo os jornais do dia, o sol a zelar pelas muretas da Ponta da Praia, a Rua do Rosário (que os trabalhadores nordestinos rebatizaram à força –diz a lenda- de Rua João Pessoa), as saudades diárias dos navios que partiam no horizonte marítimo, tudo isto é retratado em poemas como “Passos Perdidos”, “Paz”, “Oitavo Dia”, além dos fabulosos “Soneto das Horas Perdidas” e Encontro”, dignos de figurar em qualquer coletânea de grandes poemas da língua portuguesa em todos os tempos. Há também o canto do proletariado, dos trabalhadores do cais, e a presença da magia e do fascínio que a noite exerce sobre as pessoas –e que se acentua em cidades que tem o privilégio de ter o mar como limite. Este é um livro para se ler em silêncio, de um poeta que parece ter preparado, durante a vida, poemas que permitissem que o conhecêssemos a fundo –mas somente depois de sua morte, o que aumenta o mistério e as discussões sobre o papel da Poesia em nossas vidas.














Editora Hucitec, 1992







150 páginas

terça-feira, 26 de abril de 2011

RAÍZES DE ANINHA (Rita Elisa Seda e Clóvis Carvalho Britto)



AS DORES E DELÍCIAS DE UMA GENUÍNA ESCRITORA BRASILEIRA

Em “Raízes de Aninha”, Rita Elisa Seda e Clovis Carvalho Britto apresentam um panorama detalhado e primoroso da vida e da obra de Cora Coralina

Ao se deparar com “Raízes de Aninha” (Idéias e Letras, 2009) pelas estantes das livrarias, o leitor provavelmente pensará: ‘outra biografia açucarada e despretensiosa da boa velhinha goiana, em franca fase de beatificação’. Afinal de contas, o folclore que se formou à sua volta, e a simpática foto na capa, fazem questão de remeter exatamente a isto: Cora Coralina é aquela tia do interior que dedica o que resta de sua vida aos parentes e aos doces caseiros.
Ocorre que, ao contrário do estilo que grassa na literatura contemporânea, este livro esmiúça de forma imparcial o que foi a vida de Anna Lins dos Guimarães Peixoto Bretas: suas lutas, seus sonhos, sua dedicação à família e à sobrevivência diária, seus defeitos, sua -quase inacreditável- fé na religião e no trabalho, e a literatura a refletir tudo isto -sua essência como ser humano, como intelectual e como mulher. Linha a linha, página a página, o leitor não raramente se surpreende com a dedicação e o afinco dos autores em constituir uma obra profunda, fundamentada, minuciosa, realista, com sólidas bases de pesquisa através de fotos, documentos e depoimentos, sem a ordinária preocupação, tão comum em trabalhos desta natureza, de endeusar a memória do biografado.
Clóvis e Rita discorrem com tranqüilidade sobre passagens delicadas da vida de Cora, como sua infância e a relação com o marido -tratadas quase como um tabu pelos leitores- sem perder a característica documental e o “distanciamento” da obra para com a imparcialidade da narrativa, fator fundamental para que o leitor tire suas próprias conclusões.
Ao fim de suas 454 páginas, “Raízes” deixa para o leitor as lições de uma mulher que reuniu, em uma só existência, luta, amor, dedicação ao trabalho e aos filhos, lealdade, amizade, honestidade, engajamento político, integridade intelectual, originalidade artística e um grande comprometimento para com tudo que fosse importante para a sublevação dos menos favorecidos.
Mais do que gostar ou não da poesia de Cora Coralina, Clóvis Britto e Rita Elisa Seda nos possibilitam experimentar mais uma vez a célebre citação de Milton Hatoum, em seu aclamado romance “Dois Irmãos”: “ninguém se liberta só com palavras”.




Leitura Indicada: Poemas do Beco De Goiás e Estórias Mais, Cora Coralina

domingo, 24 de abril de 2011

A CIDADE E AS SERRAS (Eça de Queirós)



INDICADO.



José Fernandes narra a história de seu amigo Jacinto, um milionário afetado, contaminado e enfastiado pela vida que leva na rica e desenvolvida Paris. Em meio a concertos, jantares e aborrecimentos do dia-a-dia, vê-se obrigado a retornar repentinamente à sua propriedade na serra de Tormes, em Portugal, para tratar do traslado dos ossos de seus avós. Diante de um incidente que culmina com o temporário extravio de suas inúmeras bagagens, Jacinto passa, aos poucos e através de privações até então inimagináveis, não só a conviver com a gente simples da terra, como também a enxergar e valorizar as virtudes naturais da natureza local. Passa a interagir com o povo, e a pensar em criar alternativas para minimizar o sofrimento e a carestia que assolam o lugar, a ponto de passar a receber a alcunha de "bem-feitor". Os mais exaltados entendem tratar-se Jacinto do Rei Sebastião, que voltava para libertar o povo. Com esse envolvimento, Paris vai aos poucos deixando de ser seu lar, e o marco que simboliza esta ruptura é quando ele conhece a prima de Fernandes, dona Joaninha, com quem se casa e constitui família. Ao fim da trama, como que para consolidar a transformação por que passa o amigo, Zé Fernandes vai a Paris, e seu relato deixa latente s fegradação e a futilidade da sociedade predominante na grande cidade. Na sua volta à serra, a acolhida que recebe do amigo saudoso e sua família na estação de trem reflete de forma vigorosa -e quase onírica- da predominância da vida simples do campo sobre o desenvolvimento violento e desagregador reinante nas grandes cidades.


Pode-se dizer que, ao valorizar a simplicidade e opulência do campo, Eça pode ter antevisto os dias atuais, quando é cada vez maior o número de pessoas que buscam, no interior e na periferia dos centros industrializados, um pouco de refrigério que lhes permita continuar a brava luta da cidade.



Leitura Indicada: "Levantado do Chão", José Saramago.



Outras obras lidas do autor: Os Maias, O Mandarim, O Primo Basílio.