segunda-feira, 27 de junho de 2011

GOMORRA, Roberto Saviano


Alucinante narrativa sobre os tentáculos espessos e infinitos das organizações criminosas da Italia e da China, que acabam por infiltrar-se nos mais importantes portos do mundo. Tráfico de drogas, assassinatos, contrabando, prostituição e dezenas de outros crimes são dissecados em um prosa direta e avassaladora, sem espaço para lirismo ou meias-palavras. Saviano condena também a aura de mito que se estabeleceu em torno da Máfia, graças ao cinema. Sua perambulação pelo sub-mundo não somente do bel paese mas também por outros países da Europa se constitui em um retrato claro da absoluta impotência dos Estados diante da magnitude e da organização das instituições criminosas. A primeira página do livro, que trata de um conteiner sendo aberto enquanto é içado por uma grua, é chocante. Ainda que o autor seja jornalista, Gomorra não é somente uma reportagem. Nem tampouco somente um romance. É um livro que parece definitivo. Uma obra que trata do que pode haver de pior na condição humana. Sem mistificações.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

DO DESEJO, Hilda Hilst



Coletânea de poemas de uma das fases mais brilhantes e profícuas da autora residente da Casa do Sol. Textos caracterizados pela inconfundível verve de Hilda. Carne e ternura amanhecendo juntas, ao som dos bem-te-vis e de uma manhã prometida de sol. Amor sem distinção, de existência pura e simples, amor por amor, sem culpas desenganos prometimentos futuro. Amores que não se aprisionam ao que está à frente. Amores que independem da escravidão pela busca da felicidade. Amor por ele mesmo: amor. É disso que fala o livro. Sentimento cantado com a crueza da vida. Mais nada. A beleza de um verso como "és meu destino e poente". "A vida é líquida". Meus olhos revigoraram-se depois de "Do Desejo".

sábado, 11 de junho de 2011

DESVARIOS NO BROOKLYN, Paul Auster



Por maior que seja a rejeição que o título do livro possa causar aos que torcem o nariz aos brothers do Norte, vale a pena a leitura desta obra de Auster, um dos "escritores da moda" na literatura ocidental -com direito até a recente aparição na FLIP e figurinha fácil nos cadernos de cultura dos maiores jornais brasileiros. Menos pelo enredo -previsível, recheados de clichês e, às vezes, de uma obviedade irritante- e mais para conhecer o que anda aprontando a literatura norte-americana contemporânea. A obra trata de três gerações de uma desjustada família, cujas trajetórias inesperadamente se entrelaçam em sua rotina de misérias e incidentes, até terminar com um final digno de Zélia Gattai. Ou seja, tudo se encaixa perfeitamente, com famílias reconciliadas, um câncer curado e garantia de sexo regular para o sobrinho intelectual incompreendido. Uma sacada é a teoria do Hotel-Existência, que mereceria um livro à parte. A propalada eleição do ano 2000 surge apenas como referência, sem interferir diretamente na trama. Enfim, a leitura é recomendada, como disse, para efeito de conhecimento do estilo e da capacidade narrativa de Paul -que, a julgar por este livro, deve ter um agente literário pra lá de eficiente.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

ESTÓRIAS E LENDAS DO POVO DE CAMPOS DO JORDÃO, Pedro Paulo Filho



ou: como sobreviver a mais uma temporada de inverno e sandices






José Saramago, do alto da autoridade de quem o único Nobel de Literatura cuja língua materna é a portuguesa, afirma, em seu “As Intermitências da Morte”(Companhia das Letras, 2005), que “toda cidade essencialmente turística acaba por se transformar em uma cidade de plástico”.
Calma. Ninguém é tão ingênuo para negar a importância da temporada de inverno para nossa querida Cidade, nem tão louco a ponto de dispensar sua importância para a nossa escassa economia –sem falar na geração de empregos diretos e indiretos, divulgação e projeção da marca –ops, do nome- da Cidade, índices de vendas e negócios, valores envolvidos, especulação imobiliária, etc. Calma. A frase do parágrafo anterior tem apenas o objetivo de nos situar diante do que acontece conosco, e com nosso cotidiano, às vésperas desta usina de malucos que se instala em Campos do Jordão nesta época do ano. Afinal de contas, entramos de novo no momento em que a maioria dos jordanenses se reduz a uma mera máquina de ganhar dinheiro –ou de tentar ganhar dinheiro que, por maior que seja o valor, muitas vezes mal dá para começar a pagar as contas que se acumularam ao longo do ano.
Como é impossível ficar de fora deste imbróglio -dado que, como parte desta geografia, somos atropelados por toda essa gama de movimentação e desmantelos que invade a Cidade- resta-nos arregaçar as mangas para dar “conta do recado”, na esperança que a temporada acabe depressa para que possamos voltar a usufruir integralmente destes inigualáveis Campos do Jordão que, com exceção de alguns feriados prolongados, é nossa por quase onze meses.
Uma boa alternativa para tentar diminuir os efeitos da temporada e procurar manter viva nossa condição jordanense -nossa “jordanice”, por assim dizer- é dedicarmos as poucas horas de lazer e descanso que nos sobram à leitura de bons livros. Da minha parte, é o que tenho feito, a bordo das “Estórias e Lendas do Povo de Campos do Jordão”, de Pedro Paulo Filho, o nosso doutor Pedrinho -a cuja leitura me dedico com indesculpável atraso, presenteado que fui pelo autor há pelo menos quatro anos, pelo que consta na dedicatória.
Trata-se de uma obra que pode ser resumida em um adjetivo: fascinante. Para aqueles que nasceram, vivem ou dedicam a esta terra o amor sincero de seus corações, este conjunto de textos leves e bem escritos tem o poder de transportar o leitor a épocas inimagináveis, desde os primórdios até os dias mais recentes, tecendo lendas e acontecimentos que nos remetem aos dias atuais, em uma infinita rede de tramas, fatos e pessoas que nos permitem, durante e ao final da leitura, manter aceso nosso amor por esta cidade -sua cultura, sua gente, seu sotaque, suas raízes, enfim, tudo aquilo que nos representa e nos significa.
Porque, assim como em todos os anos, a temporada passa. Os shoppings, os stands, os bares, as boates, os comas alcoólicos, o paulistanês que grassa pelas nossas esquinas, os passeios de cachorro assistidos por ambulância e psicólogos, os “artistas” –tudo isso, anual e felizmente, passa.
Campos do Jordão, ao contrário, permanece no presente e na memória do seu povo, assim como também na genialidade de um Pedro Paulo Filho, inegável talento a registrar, como fazem os verdadeiros artistas, os impagáveis acontecimentos de seu tempo, sua terra e sua gente.
Nosso passado e nosso futuro residem em obras como esta, em cujas páginas permanecem o fascínio, as lutas e a beleza de nossa gente –e suas “Estórias e Lendas do Povo de Campos do Jordão”.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

O POETA DE SETE FACES (documentário, direção Paulo Thiago)



O filme trata da vida e da obra do poeta e escritor mineiro Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), tido como o maior poeta brasileiro por muitos ensaístas e críticos.
Filho de fazendeiros em Itabira do Mato-Dentro, hoje Itabira, o poeta teve uma infância confortável, marcada por pequenos incidentes que já mostravam a personalidade do escritor, como por exemplo sua expulsão do colégio, ao desafiar seu professor de português.
Uma amizade da infância com o político Gustavo Capanema será fundamental na vida do poeta que, por indicação do amigo, adentrará no funcionalismo público e nele permanecerá até a aposentadoria, com passagens por médios cargos do Governo durante a Ditadura Vargas, o que o faz fixar na capital da República, o Rio de Janeiro.
A passagem do poeta pelo Governo Vargas redundará em “acusações”, no futuro, de ter feito parte dela, ao que o poeta argumentará, em sua “defesa”, que “serviu durante a ditadura, mas não à a ditadura”.
Importante ressaltar que os acontecimentos sociais e familiares refletem diretamente na obra do escritor, como por exemplo a II Guerra e o período em que foi curador do acervo de arte barroca brasileira.
O filme intercala depoimentos de poetas contemporâneos (Adelia Prado, Mario Chamie, Affonso Romano de Sant´Anna) com reconstituições de fatos da vida e declamações de alguns poemas mais relevantes do autor, com destaque para a parte final do filme, com a performance de Paulo Autran.
Na única entrevista do filme, Drummond revela seu interesse pela política, e conclama os jovens brasileiros a tomar parte nela, assim como também reafirma a importância da mulher, como agente transformador, diante da sociedade.
A morte de Julieta, a única e amada filha, parece ser o golpe de misericórdia para o poeta, que falece de causas naturais, doze dias depois da filha.
O documentário, desta forma, traça a trajetória humana do poeta, em harmonia com sua obra poética (não se faz nenhuma referencia ao Drummond escritor de prosa) e toda a sua importância para a poesia brasileira e, por que não dizer, para o universo da língua portuguesa, como digno representante da genialidade de Camões e Pessoa.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

LEVANTADO DO CHÃO (José Saramago)



Um longo poema em prosa. Uma das diversas obras-primas de José, que exilou-se por quatro meses em Lavre, em meio ao povo sofrido daquela aldeia rupestre e pobre de Portugal, para legar ao mundo este manifesto em prol da justiça social, este profundíssimo grito contra a opressão aos trabalhadores miseráveis do mundo todo, em todos os tempos. Uma história de trabalho, sofrimento, amor e morte, de uma gente que não sabe por que e para que vive. Um hino de agradecimento à simplicidade das pequenas coisas -que, afinal, passam a ser as coisas grandes.

domingo, 5 de junho de 2011

MACUNAÍMA (Mario de Andrade)




Macunaíma, o "herói sem nenhum caráter", nascido numa tribo amazônica, é diferente dos demais habitantes da região: preguiçoso, mentiroso, traidor, dado a safadezas e useiro de palavrões com uma frequência impressionante. É irmão de Zé e Palocci -ops, Maanape e Jiguê. O fio que conduz a história é a perda da Muiraquitã, a pedra que recebera de sua finada esposa, a índia Ci, que lhe deu seu único filho, nascido morto. Esta busca o leva a S. Paulo, onde inicia sua plataforma para chegar à presidência da República. Fantástica criação do genial Mario de Andrade que, ainda que involuntariamente, previu a Era de Macunaíma, da qual somos -e seremos- todos reféns, sob a rudeza de uma estrela aterradora em um fundo vermelho-sangue.