domingo, 14 de agosto de 2011

ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA, José Saramago



Do que é capaz o homem em uma situação extrema? Até onde pode chegar para saciar um desejo ou uma necessidade física? O que nos diferencia de um animal com fome? É direito de um governo dar cabo de alguns para a preservação e benefício da maioria? A solidariedade resiste a, por exemplo, a chance de se subtrair o bem pertencente a outrem? Com seu estilo próprio e inimitável, José atinge sua maturidade como escritor ao proporcionar à literatura um quadro caótico que representa um inventário de tudo o que há de pior na natureza humana, quando posta em condições inimagináveis. Duzentas e setenta pessoas contaminadas pela cegueira conhecida como "mal branco" (e não a cegueira da treva, da escuridão, do breu) são confinadas em uma espécie de sanatório e isoladas do resto do mundo. Uma única pessoa -a mulher do médico- é poupada da epidemia, e passa a auxiliar seu grupo, pagando o preço de, vendo, testemunhar a miséria a que todos ficam expostos. Como em outros livros do autor, há também um cão, o "cão das lágrimas", que passa a acompanhar o grupo e, de certo modo, servir de companhia e "consciência". Junto com o Memorial do Convento e o Levantado do Chão, Ensaio Sobre a Cegueira fecha a "Santíssima Trindade" do fabuloso escritor português. Ensaio foi levado aos cinemas recentemente pelo brasileiro Fernando Meirelles, numa versão elogiável e correta da obra literária. Mas nada que se compare à magnitude do livro.

domingo, 7 de agosto de 2011

DE LEMBRANÇAS & FÓRMULAS MÁGICAS, Edson Bueno de Camargo


Já se disse que a memória é matéria-prima para a Poesia. Com base nesta afirmação, que nos ocorre ao terminar a leitura deste livro, a impressão que fica é que o brilhante poeta paulista nada mais faz do que apresentar um convite: pega o leitor pela mão e, cuidadosamente, o introduz em seu universo de memórias repleto de imagens e figuras permeados pelo sentimento que caracteriza os verdadeiros poetas: o de não-pertencimento ao mundo onde está inserido. A presença recorrente da avó a reconhecer a condição "diferente" do menino ("este menino é meio aluado / estranho e taciturno / vê coisas em cima do guarda-roupa / que só ele percebe e sente"), a figura opressora e tirânica da fábrica a extirpar o "resto da infância e a adolescência" e "se apossar do silêncio de todas as manhãs", a genealogia da família, a casa da Rua Vittorio Veneto e a definitiva vocação para a Poesia desaguam no destino a conduzir o menino, e depois o homem, ao encontro da Poesia, a quem se une para jamais abandonar. Edson -poeta premiado e indubitavelmente dos mais relevantes da atual geração- expõe generosamente suas memórias, e compartilha com o leitor o maior patrimônio de sua obra, que é a declaração da Poesia como parte de um legado do qual não se pode fugir.