terça-feira, 26 de abril de 2011

RAÍZES DE ANINHA (Rita Elisa Seda e Clóvis Carvalho Britto)



AS DORES E DELÍCIAS DE UMA GENUÍNA ESCRITORA BRASILEIRA

Em “Raízes de Aninha”, Rita Elisa Seda e Clovis Carvalho Britto apresentam um panorama detalhado e primoroso da vida e da obra de Cora Coralina

Ao se deparar com “Raízes de Aninha” (Idéias e Letras, 2009) pelas estantes das livrarias, o leitor provavelmente pensará: ‘outra biografia açucarada e despretensiosa da boa velhinha goiana, em franca fase de beatificação’. Afinal de contas, o folclore que se formou à sua volta, e a simpática foto na capa, fazem questão de remeter exatamente a isto: Cora Coralina é aquela tia do interior que dedica o que resta de sua vida aos parentes e aos doces caseiros.
Ocorre que, ao contrário do estilo que grassa na literatura contemporânea, este livro esmiúça de forma imparcial o que foi a vida de Anna Lins dos Guimarães Peixoto Bretas: suas lutas, seus sonhos, sua dedicação à família e à sobrevivência diária, seus defeitos, sua -quase inacreditável- fé na religião e no trabalho, e a literatura a refletir tudo isto -sua essência como ser humano, como intelectual e como mulher. Linha a linha, página a página, o leitor não raramente se surpreende com a dedicação e o afinco dos autores em constituir uma obra profunda, fundamentada, minuciosa, realista, com sólidas bases de pesquisa através de fotos, documentos e depoimentos, sem a ordinária preocupação, tão comum em trabalhos desta natureza, de endeusar a memória do biografado.
Clóvis e Rita discorrem com tranqüilidade sobre passagens delicadas da vida de Cora, como sua infância e a relação com o marido -tratadas quase como um tabu pelos leitores- sem perder a característica documental e o “distanciamento” da obra para com a imparcialidade da narrativa, fator fundamental para que o leitor tire suas próprias conclusões.
Ao fim de suas 454 páginas, “Raízes” deixa para o leitor as lições de uma mulher que reuniu, em uma só existência, luta, amor, dedicação ao trabalho e aos filhos, lealdade, amizade, honestidade, engajamento político, integridade intelectual, originalidade artística e um grande comprometimento para com tudo que fosse importante para a sublevação dos menos favorecidos.
Mais do que gostar ou não da poesia de Cora Coralina, Clóvis Britto e Rita Elisa Seda nos possibilitam experimentar mais uma vez a célebre citação de Milton Hatoum, em seu aclamado romance “Dois Irmãos”: “ninguém se liberta só com palavras”.




Leitura Indicada: Poemas do Beco De Goiás e Estórias Mais, Cora Coralina

domingo, 24 de abril de 2011

A CIDADE E AS SERRAS (Eça de Queirós)



INDICADO.



José Fernandes narra a história de seu amigo Jacinto, um milionário afetado, contaminado e enfastiado pela vida que leva na rica e desenvolvida Paris. Em meio a concertos, jantares e aborrecimentos do dia-a-dia, vê-se obrigado a retornar repentinamente à sua propriedade na serra de Tormes, em Portugal, para tratar do traslado dos ossos de seus avós. Diante de um incidente que culmina com o temporário extravio de suas inúmeras bagagens, Jacinto passa, aos poucos e através de privações até então inimagináveis, não só a conviver com a gente simples da terra, como também a enxergar e valorizar as virtudes naturais da natureza local. Passa a interagir com o povo, e a pensar em criar alternativas para minimizar o sofrimento e a carestia que assolam o lugar, a ponto de passar a receber a alcunha de "bem-feitor". Os mais exaltados entendem tratar-se Jacinto do Rei Sebastião, que voltava para libertar o povo. Com esse envolvimento, Paris vai aos poucos deixando de ser seu lar, e o marco que simboliza esta ruptura é quando ele conhece a prima de Fernandes, dona Joaninha, com quem se casa e constitui família. Ao fim da trama, como que para consolidar a transformação por que passa o amigo, Zé Fernandes vai a Paris, e seu relato deixa latente s fegradação e a futilidade da sociedade predominante na grande cidade. Na sua volta à serra, a acolhida que recebe do amigo saudoso e sua família na estação de trem reflete de forma vigorosa -e quase onírica- da predominância da vida simples do campo sobre o desenvolvimento violento e desagregador reinante nas grandes cidades.


Pode-se dizer que, ao valorizar a simplicidade e opulência do campo, Eça pode ter antevisto os dias atuais, quando é cada vez maior o número de pessoas que buscam, no interior e na periferia dos centros industrializados, um pouco de refrigério que lhes permita continuar a brava luta da cidade.



Leitura Indicada: "Levantado do Chão", José Saramago.



Outras obras lidas do autor: Os Maias, O Mandarim, O Primo Basílio.